ARTIGO - Greve, locaute e institucionalidade

Alberto Bastos Balazeiro

Artigo publicado na edição desta terça-feira , 29/05, no jornal Correio.

 

O movimento de paralisação dos motoristas de caminhões que tanto tem levado preocupação às capitais e cidades de todo o Brasil ainda não pode ter uma leitura aprofundada de suas razões, consequências ou saídas, tanto pela contemporaneidade do movimento quanto pelo caldeirão político que envolve. Mas há pistas sociais e legais que não podem ser ignoradas, aludindo de modo especial a algumas delas.

A primeira das indagações que afloram é a coincidência entre o movimento, as recentes modificações na legislação trabalhista e o crescente desemprego e informalização do trabalho registrados no primeiro trimestre de 2018.

Que fique bem claro que, ao aludir a reforma trabalhista, não me refiro unicamente à Lei 13.467/2017, certamente o seu ápice, tanto pela velocidade da tramitação quanto pela abrangência das transformações. Aludo a um movimento mais complexo, iniciado de algum modo em decisões da Suprema Corte, exemplificativamente em decisão da relatoria do ministro Fux em 2014 (ARE 713211) reconhecendo repercussão geral na então discussão tida como constitucional de se poder implementar terceirização ilimitada no Brasil, ou mesmo, recorde-se, em decisão monocrática do ministro Barroso (ADC 48) liminarmente suspendendo debates na Justiça do Trabalho de eventual fraude na configuração de “autônomos”  ou “terceirizados” de motoristas de caminhões laborando ou contratando fretes junto a transportadoras e subtransportadoras com base na Lei 11.442/2007 (sim, de 2007)! Nesse exemplo, aliás, observa-se que já de há muito o nosso Congresso Nacional margeava uma transformação evidentemente flexibilizante da legislação trabalhista. Como esquecer do PL 4.330, tão combatido, inclusive por mim e por todos que defendem que a terceirização sem freios provoca precarização do trabalho e do trabalhador?

A questão central é que no nosso país não se tem a leitura de que um desmonte de direitos sociais atinge a todos. E mais rápido do que se imagina.

Como negociar o fim da “greve” dos caminhoneiros se grande parte deles são autônomos? Com quais lideranças sindicais?  Veja-se o inusitado: se muitos não são empregados como se apurar uma eventual responsabilidade dos proprietários das transportadoras em debate sobre existência de locaute, a chamada greve do patrão (conduta criminosa à luz da constitucionalmente duvidosa Lei 7.783/89). Esclareça-se: locaute é grave e merece ser punida cível, administrativa e criminalmente. Mas, em muitos casos, que patrão?

Em recente evento na Escola Superior do Ministério Público da União acerca da reforma trabalhista, o palestrante Cassio Casagrande, reconhecendo possível erro de tradução que hoje se suspeita, recordou a célebre reposta do primeiro-ministro chinês Chun En-Lai quando do seu histórico encontro como Nixon em 1972. Ao ser indagado sobre a revolução francesa, teria respondido ainda ser cedo para analisar consequências. Mesmo que se referindo à revolta de maio de 1968, a sabedoria chinesa pode denotar ser muito cedo para se referir a uma tão recente reforma trabalhista ou mesmo atribuir a ela a responsabilidade exclusiva pela complexa situação de instabilidade vivenciada agora. Mas é certo: há algo de errado na equação.

Nesse cenário de dúvidas, não há  espaço para radicalismos quando a população brasileira clama por soluções. Precarizados devem ser socorridos. Falsos empresários ou simuladores precisam ser responsabilizados. Inclusive criminalmente, se for o caso. Mas, essencialmente, necessitamos de institucionalização. Respostas sérias, diálogo e legalidade que somente as instituições podem produzir. As omissões não serão esquecidas.

Alberto Bastos Balazeiro é procurador do Ministério Público do Trabalho e diretor-geral adjunto da Escola Superior do Ministério Público da União (ESMPU)

Imprimir