ARTIGO – Prejuízo à sociedade

Em artigo publicado nessa quinta-feira (23/08) no Jornal Correio, o procurador do trabalho e diretor-geral adjunto da Escola Superior do Ministério Público da União (ESMPU), Alberto Balazeiro, e o procurador do trabalho e professor de direito Maurício Brito discutem sobre a terceirização nas atividades principais das empresas.

No artigo, os procuradores alertam, além das ilicitudes nos processos de terceirização de atividades-fins, para o impacto disso nos trabalhadores e na sociedade. O projeto de lei da terceirização está sendo julgado pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Veja abaixo a íntegra do artigo

Prejuízo à sociedade

Alberto Bastos Balazeiro e Maurício Ferreira Brito

O Supremo Tribunal Federal começou a julgar na semana passada dois processos que tratam da ilicitude da terceirização de atividades-fins (ADPF 324 e Recurso Extraordinário 958252), ou seja, na atividade principal da empresa. Diante dos problemas e sobressaltos institucionais do país, a sociedade não se atentou à importância e ao alcance dessa decisão, que pode interferir na vida de grande parcela da sociedade.

A discussão de fundo, a priori, não parece ser tão complexa e pode, ainda, suscitar a falsa impressão de que teria sido superada pelas Leis 13.429/2017 e 13.467/2017: ledo engano. Debate-se a possibilidade legal de uma empresa terceirizar (contratar outra empresa para realizar) atividades do centro de sua atividade. Imagina-se, assim, uma escola que contrata uma empresa cujos empregados, professores, ministrarão aulas para alunos da empresa contratante.

A permissão desse tipo de atividade sempre foi entendida pela Justiça do Trabalho como ilegal por encerar intermediação de mão de obra. A experiência da aplicação da lei trabalhista demonstrou uma equação inconteste: salvo em situações excepcionais, de especialização do serviço prestado, a terceirização é utilizada para tentar livrar da responsabilização legal e financeira o verdadeiro beneficiário do trabalho prestado.

No aparente confronto entre a jurisprudência trabalhista e um anseio de liberalização reiteradamente externado pelo setor empresarial, três vertentes inspiram reflexão acerca desse julgamento.

A primeira começa com uma indagação. Por que os defensores da terceirização insistem tanto em ver julgadas as ações, mesmo após a nova legislação permitir a terceirização de atividade finalística? Seria apenas em razão das ações pretéritas? O verdadeiro motivo é a suposta oposição entre a nova legislação e o primado do trabalho previsto na Constituição Federal e até na legislação internacional. Deseja-se um salvo-conduto de constitucionalidade para legislação que patina em ser aplicada. Almeja-se possível segurança jurídica não alcançada com a reforma trabalhista, pois a lei não consegue modificar a natureza dos fatos: o círculo continua redondo.

O segundo ponto é o prejuízo ao país que a terceirização sem freios provoca. Onde estão os milhões de empregos que seriam gerados com a abertura da terceirização de atividades-fins? A porta para a corrupção que a terceirização sem limites abre no poder público é difícil de ser fechada, pela dimensão dos contratos e pelo subjetivismo da alocação da força de trabalho. Um dos temas que ocupam o cotidiano do Ministério Público do Trabalho são os desvios de recursos e demais ilícitos nos contratos de terceirização, bancados por todos nós.

O último tópico é a conta mágica, a matemática misteriosa. Como pode a empresa contratante reduzir custos contratando uma empresa terceirizada, que necessita ter lucro com essa atividade? Abstraindo-se a nobreza do trabalho humano na comparação, seria algo como se exigir que uma fruta, por exemplo, ficasse mais barata ao passar pelo intermediário antes de chegar ao consumidor final. A formula infelizmente só faz sentido se o terceirizado tiver direitos suprimidos. É isso que se verifica na prática. E quem arca com esse custo é o trabalhador e, em segunda dimensão, toda a sociedade.

Pais que terceirizam o carinho aos filhos; legalização de empresas fantasmas (sem um empregado sequer). Será esse o futuro da sociedade que almejamos? Pena não podermos terceirizar as consequências danosas de uma eventual liberalização dessa magnitude. Ao fim, vamos pagar a conta.

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Alberto Bastos Balazeiro é procurador do Ministério Público do Trabalho e diretor-geral adjunto da Escola Superior do Ministério Público da União (ESMPU); Maurício Ferreira Brito é procurador do Ministério Público do Trabalho e professor de Direito.

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