Garimpeiros e órgãos públicos debatem alternativas ao garimpo de Sento-Sé

A audiência pública sobre o garimpo ilegal de ametista realizada nessa quarta-feira (06/11) por órgãos públicos federais, estaduais e municipais reuniu centenas de garimpeiros na Câmara Municipal de Sento-Sé para debater soluções para a exploração da área.

Pouco antes das 10h, o auditório lotado ouviu a procuradora do trabalho Christiane Alli abrir o encontro com a mensagem principal: “A forma como é feita hoje a extração mineral não pode ser tolerada pelos órgãos públicos e para que ela continue será preciso regularizar a atividade em um modelo de mineração sustentável.”. A audiência foi convovcada em conjunto pelo Ministério Público do Trabalho e pelo Ministério Público Federal.

Após o debate na Câmara municipal, representantes de diversos órgãos presentes acompanhados de garimpeiros fizeram uma visita à Serra da Quixaba, onde ocorre a extração da pedra semipreciosa, para conhecer melhor o problema. Além da ocupação desordenada e da exploração das jazidas sem qualquer tipo de proteção aos garimpeiros e ao meio ambiente, existe ainda o fato de que a área de 250 hectares está localizada no recém-criado Parque Nacional Boqueirão da Onça, área federal de preservação integral, dentro da qual não é permitida a realização de qualquer tipo de atividade produtiva.

Embora não tenha sido definida qual alternativa será adotada dentre as que foram apresentadas e discutidas, a sensação geral era de que a audiência foi extremamente positiva. “A atividade é ilícita. Vamos reunir as lideranças do garimpo com os representantes dos órgãos para estudar a viabilidade de legalização”, afirmou o procurador da república Filipe Albernaz. Dentre todas as falas de garimpeiros, o baixo nível de organização da cooperativa criada por eles e a falta de lideranças formais foram as mais recorrentes queixas.

“Nós não somos criminosos, nem queremos fazer nada errado, mas precisamos que o poder público nos ajude a regularizar o garimpo para que milhares de pessoas possam continuar trabalhando, só que dentro da lei, pagando impostos e garantindo a proteção dos trabalhadores e do meio ambiente”, afirmou o garimpeiro Jader Sento-Sé. “O papel dos órgãos públicos aqui é correto. Eles estão alertando a gente sobre o problema. Agora nós temos que levar a cooperativa a sério”, afirmou outro garimpeiro, Eurides Munes Barros.

Limites do parque - O promotor da comarca de Sento-Sé Raimundo Moinhos, deu a dica: "A melhor faixa exposta aqui é a que diz juntos somos mais fortes. Por isso comecem logo a lutar, organizem uma comissão para trabalhar de forma organizada em busca dos objetivos comuns". A prefeita de Sento-Sé, Ana Passos, tinha outros compromissos e mandou o vice-Prefeito Antônio Crinquirim para representá-la e a engenheira ambiental Roberta Arruda para falar. “O município não foi ouvido antes da criação do Parque para a definição das poligonais e por isso acreditamos que é possível rediscutir os limites do parque ara que a atividade possa ser regularizada”, pontuou.

A fala mais técnica coube ao representante da Agência Nacional de Mineração, Thiago Ribeiro. “Regularizar o garimpo de Sento-Sé requer trabalho, planejamento e organização. É difícil, mas já regularizamos outras áreas”. Ele lembrou do caso de Novo Horizonte, área de extração regularizada com participação da agência. “Naquele caso, a regularização foi possível graças à existência de boas lideranças garimpeiras e ao bom momento em que ocorreu”, lembrou, destacando que o atendimento às exigências ambientais e trabalhistas exige um árduo esforço, e que a retirada da área de garimpo de dentro do parque depende de aprovação de lei ordinária pelo Congresso Nacional.

O coronel Manuel Perdiz, comandante da 96ª Companhia Independente de Polícia Militar da Bahia, lembrou que a atividade mineral é a provável causa do enorme aumento dos índices de criminalidade na região. “Experimentamos um aumento de 500% nos índices de violência, como o registro de crimes graves, como tentativas de homicídio, tráfico e transporte ilegal de explosivos. E isso só poderá ser efetivamente enfrentado com a regularização da atividade”, lembrou. O evento contou ainda com a presença de representantes das polícias Federal, com o delegado Breno Marconi, e Civil, com o delegado Filipe Bezerra.

Visita ao garimpo – Durante a tarde, agentes públicos de diversos órgãos que participaram da audiência pública seguiram junto com alguns garimpeiros para a Serra da Quixaba para ver de perto a realidade. Com a extração de pedras suspensa por causa da audiência, a visita foi importante na avaliação dos agentes públicos, que puderam ver de perto as condições em que os garimpeiros trabalham e vivem. São barracos improvisados ao longo do morro que abrigam material de trabalho e mantimentos. As condições de saúde e segurança são precárias. A energia usada no local é fornecida por geradores e não há saneamento nem água encanada.

O auditor-fiscal do trabalho Diego Leal, da Gerencia Regional do Trabalho de Juazeiro, apontou alguns riscos comuns a todos os poços. "Não há qualquer preocupação em proteger os trabalhadores, que descem em buracos de 50, 100 metros sem proteção contra quedas e contra a aspiração de pó de pedra. Além disso as condições de alojamento apontam para uma total precariedade”, afirmou. O representante da Secretaria estadual do Trabalho, Renda e Esporte, Diego Meira, lembrou que “a maior parte dos trabalhadores não tem qualificação profissional, vindo de atividades como trabalho rural e construção civil, o que pode dificultar um eventual trabalho de recolocação caso o garimpo não continue”.

Corrida da ametista - O garimpo começou em maio de 2017 e foi interditado pouco depois, porém a atividade continuou e vem atraindo muitas pessoas. Nos primeiros dias, a corrida da ametista chegou a levar mais de nove mil pessoas para o local, segundo estimativas dos proprios garimpeiros. Hoje o local reuniria, também segundo eles, algo em todo de três mil pessoas. O sistema de produção quase sempre é o mesmo, com um investidor garantir ferramentas e mantimentos a pequenos grupos de três a 15 garimpeiros, que passam ser ser “sócios da produção, ficando com um pequeno percentual do que for apurado com a venda dos lotes de pedra.

Assim como a extração, o comércio da ametista também é completamente ilegal. Ele é feito entre os próprios garimpeiros, que levam o material retirado para compradores, na maioria estrangeiros, principalmente indianos e chineses, que se deslocam até Sento-Sé para comprar e levar o material. Um saco de 50 quilos de pedra é vendido atualmente por cerca de R$1.000, valor que segundo os garimpeiros caiu bastante nos últimos meses, assim como a produção das minas, que já apresenta sinais de fadiga. Eles reclamam que os custos para produzir são altos e que a atividade não está mais compensando. Ainda assim alguns investidores continuam buscando o sonho de encontrar um bom veio e retirar volumes maiores que permitam que eles retirem o investimento feito em máquinas, equipamentos e materiais de consumo.

É o caso de Ariosvaldo Almeida, 48 anos. Trabalhando em garimpos a vida inteira, mas também envolvido em outros negócios como construção civil, ele diz ter investido mais de R$100 mil nos seus dois poços. Acredita ainda que irá encontrar pedras de melhor qualidade junto com seus seis “sócios”, nome dado aos garimpeiros que trabalham por produção e que recebem um valor fixo por semana para as despesas pessoais. Já para Flávio Santos, 25 anos, o garimpo foi a única alternativa depois que ficou desempregado em São Paulo, onde trabalhava na construção civil. “Fiquei sem emprego e voltei para minha região para aventurar no garimpo. Até agora não tirei nada, mas acredito que ainda consiga achar um veio de ametista pura”.

 

 

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