ARTIGO - Intolerância religiosa: aqui e ali

Manoel Jorge e Silva Neto
Subprocurador-geral do Trabalho
(Artigo publicado na edição desta sexta-feira, 09/01/2015, no jornal A Tarde)

Algumas reflexões se impõem após o ato bárbaro de insana e desmedida violência que culminou com a morte de 12 pessoas nesta semana, dentre as quais destacados cartunistas franceses da revista Charlie Hebdod.

A primeira delas se refere a um dado importantíssimo a respeito do islamismo como movimento religioso: a tolerância.

Sem dúvida, Maomé jamais pediu a judeus e cristãos que se convertessem à religião de Alá, a menos que o desejassem. Cabe a referência porque, de modo generalizado, a tolerância não é uma virtude que as pessoas do mundo ocidental se sintam habitualmente inclinadas a atribuir ao islamismo.

E mais: ainda que o conceito ocidentalmente arraigado do islamismo seja de religião misógina, o Alcorão proibia absolutamente o assassinato de meninas quando nasciam e também dava às mulheres direitos legais de herança e divórcio, tendo ainda Maomé revelado a absoluta igualdade moral e espiritual dos sexos.

Daí porque a brutalidade praticada por terroristas é mais do que um ponto fora da curva dos preceitos islâmicos; é – claro como uma bela manhã de sol em Salvador – comportamento atentatório à própria liberdade religiosa dos seguidores do Islão.

Explico-me: o sangue de inocentes derramado por criminosos que se dizem “islâmicos” vai contribuir ainda mais para elevar a temperatura na Europa contra aqueles cujo único crime que estão a cometer é adorar divindade e professar uma religião...

A França – terra de democracia e liberdade de expressão – infelizmente já presenciou morticínios alimentados pela intolerância religiosa, sendo que, de longe, o pior deles foi a Noite de São Bartolomeu, em 24 de agosto de 1572, quando se estima que 50.000 seguidores de João Calvino foram impiedosamente massacrados.

A segunda reflexão se relaciona ao estado da arte da liberdade religiosa no Brasil, e mais particularmente na Bahia.

Convictamente, há motivos reais para preocupação em se tratando de exercício da liberdade de religião por segmentos relacionados às religiões de matriz africana, como é o caso do candomblé e da umbanda.

Investidas de algumas igrejas evangélicas neopentecostais contra terreiros, com apedrejamento de templos, como já aconteceu em passado recente na Bahia, publicação de livros cujo único fundamento é o discurso do ódio, tudo isso deve merecer a repulsa de toda a sociedade baiana em geral e a enérgica reação das autoridades em particular, principalmente pelo que as iniciativas podem representar de inconfessado acesso de racismo, sendo certo que as religiões afro-brasileiras estão vinculadas à história da raça negra, sem esquecer também dos graves precedentes que podem ser abertos, instilando-se a insídia e a violência entre crentes.

“Je suis Charlie” – símbolo eloquente e direto da indignação francesa – é, de forma semelhante, exortação à liberdade e à tolerância, que devem resplandecer e se firmar, aqui e ali.

Tags: Coordigualdade

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