Seminário reforça necessidade de integração contra o trabalho escravo

“As ações de combate ao trabalho escravo precisam passar a considerar o trabalhador como sujeito e não somente como vítima, como alguém que precisa ser moldado e adequado a determinados padrões para só assim ser inserida no mercado.” A afirmação foi feita pelo ativista Fabiano de Jesus Souza durante o debate que encerrou o Seminário Trabalho Escravo na Bahia, realizado na tarde dessa quarta-feira (28), na sede do Ministério Público do Trabalho (MPT), no Corredor da Vitória, em Salvador. O evento reuniu representantes dos principais órgãos e entidades envolvidos com o tema no estado, que saíram do evento com a disposição de reforçar a articulação entre todos para atuar nessa questão.

Diversos órgãos e entidades participaram do evento
Diversos órgãos e entidades participaram do evento
A participação de Fabiano, que atua no enfrentamento ao trabalho escravo na região oeste do estado dentro das ações da Comissão Pastoral da Terra, entidade ligada à Igreja Católica, foi um dos pontos altos do evento, que teve como principal virtude a recuperação da articulação entre as instituições que trabalham com o tema. Além da Pastoral da Terra, e de diversos procuradores do Ministério Público do Trabalho (MPT), também participaram do seminário auditores fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego, servidores da Secretaria estadual do Trabalho, Emprego, Renda e Esporte (Setre) e juízes e desembargadores do Tribunal Regional do Trabalho (TRT5).

Um dos momentos mais esperados foi a exposição do procurador Ilan Fonseca sobre dois temas que têm mobilizado bastante os debates em torno dos esforços para a erradicação do trabalho análogo ao de escravos no Brasil: a proibição da divulgação da Lista Suja pelo Ministério do Trabalho e a Emenda Constitucional 81, que cria instrumentos para punir empregadores que usam mão de obra análoga à de escravos. Ele mostrou que os argumentos usados pela Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), na ação direta de inconstitucionalidade 5209 para pedir a liminar e acatados pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Ricardo Lewandowski, não têm sustentação.

Pressão da sociedade

“A liminar já está sendo contestada pelo Ministério Público Federal, que se valeu de consulta ao MPT. Todas as argumentações usadas no pedido são fortemente confrontadas”, explicou Fonseca. Ele lamentou apenas o fato de que a decisão sobre a derrubada ou não da liminar possa se estender por longo tempo. “O trâmite no STF tende a ser lento, mas se houver pressão da sociedade, podemos reverter rapidamente esse quadro e voltar a ter um instrumento eficiente de combate ao trabalho escravo, que é a Lista Suja”, pontuou.

O procurador Ilan Fonseca
O procurador Ilan Fonseca
O procurador ainda defendeu a tese de que não há necessidade de regulamentação da Emenda Constitucional 81, promulgada em junho passado, que estabelece sanções para empregadores que usam mão de obra análoga à de escravos. “Ora, para que definir através de nova lei o trabalho escravo se ele já está definido em nossa legislação?” questionou Fonseca. Em sua palestra, o procurador do MPT revelou que, apesar dos esforços, o número de condenações por prática de trabalho escravo no Brasil ainda é ínfimo. Até 2012, apenas oito processos foram concluídos, sendo que mais de 1.800 ações fiscais tinham sido feitas e 579 ações penais haviam sido movidas.

Lei Áurea

O presidente do Tribunal Regional do Trabalho, desembargador Valtércio Oliveira, ressaltou a importância de debater meios efetivos para o combate a esse mal. “É triste ver que em pleno século 21 ainda estejamos discutindo a erradicação do trabalho escravo. A maior parte das pessoas imagina que a Lei Áurea pôs fim a essa chaga, mas ainda temos muito a avançar nesse sentido”, pontuou o magistrado. Já o secretário estadual do Trabalho, Álvaro Gomes, destacou a importância da atuação integrada. “Não podemos mais permitir que o ser humano seja usado como objeto descartável. Por isso é fundamental promovermos eventos como esse, de forma a articular a atuação de órgãos públicos e a sociedade civil”, afirmou.

O procurador-chefe do MPT na Bahia, Alberto Balazeiro, fez questão de frisar a inter-relação entre o trabalho infantil e o trabalho escravo. “Em cem por cento das vezes que entrevistamos um trabalhador durante uma operação de resgate vemos que ele começou a trabalhar ainda na infância, o que iniciou o ciclo que passa pela baixa qualificação, pela inexistência de cidadania, pela miséria e pela consequente vulnerabilidade à ação dos aliciadores”, lembrou. A superintendente do Trabalho e Emprego da Bahia, Isa Simões, destacou ainda que “muitas vezes esse trabalhador não tem sequer uma certidão de nascimento, quanto mais carteira de trabalho e noção de que esteja sendo vítima da exploração do trabalho.”

Enxugar gelo

O frei Luciano Bernardi, um dos coordenadores da Comissão Pastoral da Terra na Bahia, que fez questão de levar ao evento dois representantes das frentes de trabalho da organização que atuam diretamente com os lavradores no oeste do estado, lembrou da importância de quebrar o descrédito em relação a ações de combate à exploração do trabalho. “Às vezes temos a sensação de que estamos enxugando gelo ao agir nessa questão, mas precisamos aqui fazer um pacto de aumentar os esforços para romper com a tendência de que tudo volte à estaca zero por força de pressões políticas”, afirmou. Ele se referia à fala emocionada do presidente do Sindicato dos Auditores Fiscais do Trabalho da Bahia (Safiteba), Carlos Dias, sobre a impunidade até hoje para os mandantes do assassinato de três auditores e um motorista do Ministério do Trabalho em Unaí, Minas Gerais.

“Precisamos pressionar a Justiça para que os dois mandantes desse crime sejam julgados em Belo Horizonte o quanto antes, porque essa não foi uma chacina contra quatro homens simplesmente, foi um atentado contra o Estado Brasileiro”, exclamou Dias. Ele também fez questão de lembrar dois episódios recentes no oeste baiano, em que a Superintendência regional teve que deslocar servidores da unidade do município de Barreiras por causa de ameaças de morte ocorridas em 2013 e 2014 próximo da época da colheita. “O Estado foi intimidado e a única medida possível foi preservar a integridade física dos servidores públicos retirando-os do local. Mas a resposta certa seria o Estado agir com toda a força, garantindo fiscalização do trabalho intensa na região”, afirmou o auditor e sindicalista.

Tânia Portugal falou da atuação do estado
Tânia Portugal falou da atuação do estado
Ação Integrada

A regulamentação da Lei estadual 13.221/2015, sancionada no último dia 15 de janeiro pelo governador Rui Costa, foi um dos assuntos da exposição da coordenadora da Agenda Bahia para o Trabalho Decente, Tânia Portugal. Ela informou que o prazo de 90 para que se estabeleçam os mecanismos administrativos para exclusão de empresas flagradas usando trabalho escravo do cadastro do Imposto sobre Mercadoria e Serviços (ICMS) vai ser cumprido. “A lei, assim que estiver regulamentada, será mais um importante instrumento para coibir essa prática em nosso estado”, afirmou. Ela ainda explicitou a determinação de ampliar o Programa de Ação Integrada, iniciativa do Estado em Parceria com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), MPT e outros órgãos, para promover a qualificação profissional e inclusão de vítimas do trabalho escravo no mercado formal de trabalho.

A superintendente regional do Trabalho e Emprego, Isa Simões, também fez uma esclarecedora exposição, mostrando dados de ações fiscais de combate ao trabalho escravo no Brasil e na Bahia. Ela lembrou que este ano completam-se 20 da criação do Grupo Móvel, força-tarefa coordenada pelo Ministério do Trabalho e Emprego, com apoio do MPT e das Polícias Federal e Rodoviária Federal, para apurar denúncias de trabalho degradante. Isa Simões fez um recorte das operação ocorridas entre 2008 e 2013, mostrando que 18.717 pessoas foram resgatadas nesse período em todo o país, sendo 789 na Bahia.

Casos em Salvador

A superintendente ainda alertou para o que chamou de retrocesso. “Temos visto um crescimento significativo de casos de trabalho escravo no ambiente urbano nos últimos anos”, afirmou referindo-se a operações de resgate de pessoas que trabalhavam sem remuneração e em alojamentos precários para distribuir listas telefônicas em Salvador, o caso de 11 funcionários resgatados de um cruzeiro de luxo da MSC, no Porto de Salvador, e dos operários de uma obra no bairro do Comércio alojados em condições desumanas.

O Seminário Trabalho Escravo na Bahia foi promovido pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) na Bahia, com o apoio dos Sindicatos Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho – Escritório Bahia (Sinait-BA), dos Auditores-Fiscais do Trabalho no Estado da Bahia (Safiteba). A data escolhida para o evento é o Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo, instituída após o assassinato de três auditores e um motorista do MTE durante ação de fiscalização rural no município de Unaí, em Minas Gerais, no ano de 2004. pela manhã, um ato dos dois sindicatos lembrou a data e cobrou agilidade na marcação do julgamento dos dois mandantes da chacina.

Tags: Trabalho Escravo

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