ARTIGO - O trabalho escravo

Dom Murilo S. R. Krieger
Arcebispo de São Salvador da Bahia e primaz do Brasil
Artigo publicado na edição de domingo, dia 8 de março de 2015, do jornal A tarde, página 3 - Opinião.

Progresso: eis uma palavra adequadapara definir a nossa época, em que a comunicação faz desaparecer as distâncias. Novos remédios trazem esperança para doentes desenganados. Descobertas e invenções fazem parte do nosso dia a dia. Comparando o ano de 2015 com o de 1960 ou o de 1970, parece que séculos se passaram. Velhos problemas, no entanto, continuam atormentando a vida de muitos e envergonhando a sociedade. Para chegar logo ao que quero abordar, lembro a cruel realidade do trabalho escravo nos dias de hoje.

É difícil entender que indivíduos e grupos busquem o lucro  à custa de pessoas desprotegidas, indefesas e frágeis. Quem luta pela sobrevivência não tem condições de defender seus direitos e sua dignidade. O trabalho escravo torna-se ainda mais cruel quando envolve crianças. “Ainda hoje milhões de pessoas – crianças, homens e mulheres de todas as idades – são provados da liberdade e constrangidos a viver em condições semelhantes às da escravatura. Penso em tantos trabalhadores e trabalhadoras, mesmo menores, escravizados nos mais diversos setores, em nível formal e informal” (Papa Francisco, 01.01.15).

A vocação humana é uma vocação à fraternidade. Somos diferentes, mas temos a mesma origem e a mesma natureza. Somos chamados a construir uma rede de relações para a contrução da família humana segundo os planos de Deus. A rejeição do outro, os maus-tratos às pessoas e a institucionalização das desigualdades noas afastam desse plano, pois Deus enviou o Seu Filho ao mundo para a construção da fraternidade entre nós. Contudo, somos livres; temos, pois, o poder de construir um mundo em que as molas mestras sejam o egísmo e a ganância.

Com a evolução da consciências humana, foi-se percebendo que a escravidão é “um delito de lesa humanidade”. O direito internacional reconhece, hoje, que nenhuma pessoa pode ser mantida em estado de escravidão. Do direito aos fatos há, contudo uma longa distância. “O flagelo generalizado da exploração do homem pelo homem fere gravemente a vida de comunhão. Tal fenômenos abominável, que leva a espezinhar os direitos fundamentais do outro e a aniquilar a sua liberdade e dignidade, assume múltiplas formas” (id.).

Para os exploradores, na base da escravidão econtra-se a convicção de que as pessoas podem ser tratadas como objetos. Ao tomar conta do coração d ehomens e mulheres, o pecado os afasta do Criador e a consequência aí está: os outros deixam de ser vistos “como seres de igual diginidade, como irmãos e irmãs em humanidade”. Daí para a mercantilização das pessoas é um pequeno passo. Alia-se a isso “a corrupção daqueles que, para enriquecer, estão dispostos a tudo”, e o ciclo da escravidão requer a participação de muitos intermediários – todos com a mesma intenção: seu enriquecimento pessoal a qualquer custo.

Uma resposta a essa dramática situação é o acesso à educação. Além de abrir perspectivas de emprego, ela possibilita ao ser humano tomar consciência de seus direitos e defender a própria dignidade. É preciso, pois, “por fim ao flagelo da exploração da pessoa humana”, e isso é possível com prevenção, proteção das vítmas e ação judicial contra responsáveis por essa vergonha. É louvável o crscimento de iniciativas no âmbito religioso ou da sociedade civil para “sensibilizar e estimular as consciências sobre os passos necessários para combater e erradicar a cultura da escravidão.” Boicotar produtos que são frutos do trabalho escravo é uma resposta adequada aos que têm como deus a ganância.

Anima-nos a existência, em nosso país, do Ministério Público do Trabalho. De 1995 a 2012, esse Ministério, no combate ao trabalho escravo contemporâneo, inspecionou 3,3 mil estabelecimentos, de onde foram resgatados mais de 43 mil trabalhadores. Tais dados são uma pequena amostra das dimensões do trabalho escravo em nosso país. Já que a indiferença e o egoísmo estão globalizados, por que não nos unirmos para globalizar a solidariedade e a fraternidade?...

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