Recôncavo baiano inclui combate ao trabalho infantil no currículo escolar

Escolas do ensino fundamental II de seis municípios do recôncavo baiano começam este ano a adotar em seus currículos escolares a discussão sobre as causa e consequências do trabalho infantil para a formação física e mental dos jovens.

Outras quatro prefeituras também foram convidadas e podem formalizar a adesão ao projeto MPT na Escola nos próximos dias. O assunto foi discutido nessa segunda-feira (17) com mais de 200 educadores e representantes de órgãos como conselhos tutelares, Cerest e Ministério Público da região, que se reuniram no auditório da Universidade Federal do Recôncavo Baiano (UFRB), em Cachoeira, cidade histórica localizada a 120 quilômetros de Salvador.

O evento foi promovido pelo Ministério Público do Trabalho e contou com o apoio da Prefeitura de Cachoeira. Para o procurador Marcelo Travassos, responsável pelo evento, “a ampla participação de professores, diretores escolares, coordenadores pedagógicos e secretários de educação de seis municípios da região é um excelente indicativo. Agora, esperamos que o maior número possível de escolas faça a adesão ao projeto para receber o material didático e levar esse conteúdo aos alunos”. Ele se refere ao projeto MPT na Escola, que traz metodologia de abordagem do trabalho infantil em sala de aula, com livro a ser distribuído gratuitamente a cada estudante, além de cartilha de orientação sobre como abordar o tema, destinada aos professores.

O secretário da Educação de Cachoeira, Alexsandro Rocha, também saudou os participantes do encontro e reafirmou a importância de levar esse tema para as salas de aula de forma articulada. “Os professores de modo geral têm essa preocupação com os males causados pelo trabalho infantil, mas às vezes tratam do tema de forma desarticulada. Por isso a importância de estarmos aqui hoje para organizar essas informações e nos capacitar para abordar esse tema com os alunos”, afirmou. O evento contou com apresentação do grupo de flauta-doce do projeto Mais Educação de Cachoeira, do Educandário Paroquial A Jesus por Maria.

O procurador Marcelo Travassos e o secretário Alexsandro Rocha
O procurador Marcelo Travassos e o secretário Alexsandro Rocha
A oficina de capacitação dos multiplicadores do projeto MPT na Escola foi articulada pelo MPT a partir da constatação de que a região ainda apresenta índices elevados de trabalho infantil. Com a assinatura de termo de compromisso pelo município de Cachoeira, em maio deste ano, o município iniciou uma série de esforços para estruturação da rede de apoio à infância e à juventude. “Enfrentar o problema do trabalho infantil não é proibir a criança ou o adolescente de trabalhar simplesmente, mas criar meios para que ele não precise trabalhar, dando apoio às famílias, oferecendo educação em tempo integral, creches e envolvendo diversos setores da sociedade nesse objetivo comum”, avaliou Travassos.

Agentes multiplicadores – Cada um dos mais de 200 participantes da oficina ministrada em Cachoeira pelo procurador do trabalho e coordenador nacional do projeto MPT na Escola, Antônio Lima, foi capacitado para ser um agente multiplicador do conteúdo apresentado no evento. O procurador, que veio diretamente de Fortaleza para ministrar o treinamento, aproveitou o período da manhã para sensibilizar a plateia para a questão, apresentando fatos reais e exibindo o filme Onde Está Rosinha?, que mostra a luta de uma mãe que descobre ter sido enganada por uma conhecida que levou sua filha com a promessa de fazê-la estudar, mas que na verdade usava a menina como empregada doméstica.

O procurador Antônio Lima falou para cerca de 200 pessoas
O procurador Antônio Lima falou para cerca de 200 pessoas
O procurador Antônio Lima, então iniciou uma série de questionamento para a plateia, pedindo que os participantes relatassem experiências pessoais sobre o assunto. Uma professora relatou que na infância desejou ser levada por uma família da casa dos pais por achar que o trabalho poderia dar a ela mais do que tinha. “Meu pai, graças a Deus, sempre foi firme e nunca permitiu que saíssemos”, relatou. Outra educadora se emocionou ao relatar que a educação foi oferecida pelo pai a ela, que se alfabetizou, e depois alfabetizou as irmãs. “Hoje, como gestora de uma escola pequena, vou à casa de cada criança que deixa de frequentar ou tem perda de rendimento para saber o que está acontecendo”, revelou.

Metodologia – O período da tarde foi totalmente dedicado pelo procurador Antônio Lima a apresentar dados e informações que podem ser usadas em sala de aula e a propor atividades aos professores. Ele afirmou que o educador não pode se prender a mitos, crenças. “Esperamos do educador uma postura crítica, uma reflexão consciente perante os fatos”, declarou. Ele referia-se a mitos que ainda persistem na sociedade que dão conta de que trabalhar é melhor do que roubar ou traficar ou o de que o trabalho não mata ninguém. “Ora, se continuarmos acreditando nesses mitos estaremos reforçando o ciclo da pobreza e retirando das crianças e adolescentes a possibilidade de construir a sua própria realidade”, declarou.

O coordenador do MPT na Escola, Antônio Lima, veio do Ceará para a oficina
O coordenador do MPT na Escola, Antônio Lima, veio do Ceará para a oficina
Lima apresentou dados como o de que a Constituição aboliu o uso do termo menor, substituindo-o por criança e adolescente, e que é preciso dar a esses jovens o papel de sujeito da sociedade e não apenas de objeto de políticas públicas. Ele mostrou a triste realidade do trabalho infantil doméstico, uma das piores formas de trabalho infantil. O IBGE mostrou que em 2010 estimava-se em 257 mil crianças e adolescentes trabalhando como domésticos e que havia ainda 140 mil domicílios em que jovens assumiam as tarefas de administração da casa no lugar dos pais ou responsáveis. Lima ainda listou as piores formas de trabalho infantil: o trabalho análogo ao de escravos, a exploração sexual e as atividades ilícitas e todas as atividades que possam provocar danos à saúde e ao desenvolvimento moral e intelectual da criança e do adolescente.

Inscrições - Com a realização do seminário dessa segunda-feira, os educadores dos dez municípios convidados pelo MPT a participar do projeto MPT na Escola receberam as informações necessárias para promover em seus municípios uma oficina de capacitação para os professores da rede municipal. Para tanto, o MPT ainda depende da inscrição das escolas na página do projeto (mptnaescola.blogspot.com.br). Com a inscrição, o MPT irá fornecer o material didático para cada um dos estudantes matriculados e para todos os professores. Também será possível, a partir do ano que vem, que os alunos dessas escolas produzam trabalhos escolares para concorrer a prêmio regionais e nacionais.

O evento contou com a presença de diversos representantes de órgãos da região. A procuradora do trabalho Silvia Valença, que atua junto com o procurador Marcelo Travassos na unidade do MPT em Santo Antônio de Jesus, também prestigiou o seminário. Estiveram presentes, ainda, o secretário de educação de São Felipe, Pedro Júnior, o chefe de Gabinete da prefeitura de Cachoeira Lourival Trindade, a secretária de Ação Social de Cachoeira, Cristina Soares, a coordenadora do Cerest de Santo Antônio de Jesus, Karlene Magalhães, além de conselheiros tutelares de diversos municípios e diretores das secretarias da educação da região.

Tags: trabalho infantil, MPT na Escola

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