Trabalho de catadores no Carnaval de Salvador vira modelo para o país

Evento realizado na última sexta-feira (22/03) na sede do Ministério Público do Trabalho (MPT) em Salvador reuniu associações de catadores de materiais recicláveis e órgãos públicos para apresentar os avanços na estruturação do trabalho da categoria no Carnaval.

O bate-papo foi transmitido para procuradores do MPT de todo o país interessados em conhecer a experiência baiana de estruturação de um sistema de financiamento e de garantia de trabalho digno para catadores de materiais recicláveis no Carnaval e em outras grandes festas populares.

Além de representantes das 11 cooperativas de reciclagem que atuaram no Carnaval de 2024 e das procuradoras do MPT envolvidas na articulação com órgãos e entidades da sociedade civil para estruturação de um sistema de remuneração para a coleta de resíduos sólidos durantes os grandes eventos de rua da Bahia, a roda de conversa reuniu também representantes do município, do estado e do Ministério Público do Estado. Por videoconferência, servidores e procuradores do MPT de diversos estados puderam acompanhar e até mesmo interagir com os protagonistas do evento, que foram os representantes dos catadores.

“Nosso objetivo com este encontro é espraiar a experiência exitosa da Bahia para todo o país no que se refere a construção de uma rede não só para promover o trabalho digno, mas para também contribuir com o debate fundamental sobre a responsabilidade ambiental de quem produz o lixo”, explicou a procuradora Adriana Campelo. Na mesma linha, a procuradora Séfora Char, ressaltou que “o que a gente puder fazer pra espalhar essa experiência maravilhosa, esse exemplo que vocês estão dando aqui, vamos fazer para que possamos fazer de forma semelhante em outros tantos grandes eventos realizados em todo o país”.

O representante do Fórum Lixo e Cidadania, que congrega as 11 cooperativas de catadores de recicláveis com atuação no Carnaval de salvador, fez um relato emocionado da luta para estruturar um sistema de coleta seletiva naquela que é considerada por muitos a maior festa de rua do planeta. Ele lembrou que em 2005 foi o primeiro ano em que a festa contou com o apoio estatal para a coleta. “A estrutura que a gente conseguiu na época foi um toldo e um banner. Não tinha nem banheiro químico. Nesse ano, a gente conseguiu coletar cerca de 3,5 toneladas de materiais recicláveis”, recordou. A realidade mudou ano após ano e em 2024, foram mais de 230 toneladas coletadas, com investimento do poder público, repassado pelos patrocinadores da festa de R$1,9 milhão.

A questão do investimento público para custear a atividade de coleta e retirada do lixo produzido durante a folia momesca foi um dos pontos mais ressaltadas na roda de conversa. A primeira vez que o município arcou com custos das cooperativas foi em 2017, quando foram aportados R$70 mil. Com esse dinheiro, as cooperativas iniciaram o processo de oferta de equipamentos de proteção, como luvas, protetores auriculares, além de materiais para a coleta, como colete e sacos de ráfia. Ano a ano, o investimento vem aumentando, permitindo atualmente que haja garantia de pagamento em espécie aos catadores autônomos, fornecimento de refeições, espaços de convivência, higiene e descanso, além de custear toda a logística de transporte do material coletado.

A promotora de Justiça do Ministério Público do estado Cristina Seixas, destacou os avanços, mas fez questão de lembrar da necessidade de seguir trabalhando pela dignidade dos catadores. “Em 2017 demos os primeiros passos através de muita luta, que nunca vou esquecer. Estou feliz porque o projeto está consolidado, mas ainda temos muito o que evoluir”, pontuou. O procurador do município de Salvador Thiers Chagas Filho, ressaltou alguns pontos que ainda podem avançar, como a oferta de espaços para abrigar filhos de catadores durante a festa. “A prefeitura atendeu este ano 470 crianças e adolescentes filhos de ambulantes em sua maioria, oferecendo espaços estruturados, mas ainda temos dificuldade em acolher os filhos dos catadores por conta da inexistência de um cadastro. Por isso, reforço aqui com as cooperativas a necessidade de se pensar em um cadastramento dessas pessoas de forma a garantir a extensão desse e de outros benefícios”, sugeriu.

Os números da reciclagem no Carnaval de Salvador foram a tônica da apresentação de Thiago Figueiredo, assessor da Limpurb, estatal municipal de limpeza urbana. Ele lembrou que além das mais de 110 toneladas coletadas nas ruas, o município condiciona a emissão de alvará para os 11 grandes camarotes instalados nos circuitos da festa à contratação de cooperativas para separar e reciclar os resíduos, totalizando este ano 47 toneladas de materiais nesses estabelecimentos. “Temos pensamentos alinhados com MP e com o MPT e ações especificas. E o município foi instigado a garantir as recomendações dos órgãos de controle e assim fizemos”, afirmou. 

Para a procuradora do MPT Sandra Marlicy, “o resultado de 2024 é um forte indício de que é possível garantir trabalho digno, sustentabilidade na cadeia de reciclagem e responsabilidade ambiental das empresas. E é esse exemplo do que está sendo construído em Salvador que queremos replicar para outras partes do país”. O superintendente de economia solidária da Secretaria Estadual do Trabalho, Emprego, Renda e Esportes (Setre), Júlio Santana, lembrou que “é muito importante a gente pensar na mudança da cultura, principalmente no olhar, mudar a maneira de como esses catadores são vistos.”

Para Saville Alves, diretora da startup Solos, responsável pela busca de soluções para a efetiva implantação de uma cadeia produtiva sustentável da reciclagem no carnaval da capital baiana, “O nosso sonho é fazer com que a reciclagem passe a funcionar de fato no Brasil. A grande entrega que essa operação traz, é servir de modelo a ser replicado e isso me deixa muito feliz e emocionada com essa política.” Genivaldo Ribeiro, diretor da Cooperguary, uma das cooperativas pioneiras no Carnaval de Salvador, afirmou que “os protagonistas dessa história são os catadores. Nenhum de nós é tão forte quanto a todos nós juntos.”

 

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