Ação do MPT por trabalho escravo garante R$250 mil para ação social em Aracatu-BA

Ribeirão Preto - O Ministério Público do Trabalho (MPT) fechou acordo judicial que garantirá o pagamento de R$250 mil para custear projetos educacionais no município baiano de Aracatu, no sudoeste do estado.

O valor deverá ser pago pelos responsáveis por fazendas de café do interior paulista flagrados em junho deste ano quando mantinham 56 trabalhadores em condições análogas à de escravos. No grupo, havia dez adolescentes de 13 a 17 anos que haviam sido recrutados em Aracatu para trabalhar na colheita de café no município de Pedregulho (SP).

O acordo judicial foi assinado depois de negociações envolvendo o MPT e os advogados dos empregadores, que aceitaram pagar o valor equivalente à venda de 250 sacas de café (cerca de R$ 250 mil), a título de danos morais coletivos, por submeterem adolescentes a trabalho escravo contemporâneo. O processo, que corre na 2ª Vara do Trabalho de Franca, interior paulista, encontra-se em segredo de justiça. A audiência que resultou no acordo foi realizada em regime de cooperação judicial, por teleconferência. Participaram o procurador do MPT Élisson Miessa, a juíza coordenadora do Juizado Especial da Infância e Adolescência de Franca, Eliana dos Santos Alves Nogueira e os desembargadores Eduardo Benedito de Oliveira Zanella e João Batista Martins Cesar, ambos do TRT da 15ª Região. 

Em razão da origem dos trabalhadores, que foi o município baiano de Aracatu, dois magistrados do Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região (Bahia) atuaram no processo e participaram também da negociação do acordo: a juíza Cristiane Menezes Borges Lima, titular da Vara de Brumado, e o juiz Joalvo Carvalho de Magalhães Filho, gestor do Programa Regional de Combate ao Trabalho Escravo do TRT-5.

Em junho de 2021, uma operação realizada pelo Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM), que teve o acompanhamento do MPT e da Polícia Federal, resultou no resgate de 56 trabalhadores de condições análogas à escravidão em uma fazenda de colheita de café na cidade de Pedregulho (SP). Dez deles eram adolescentes entre 13 e 17 anos de idade.

Degradante - Os colhedores de café trabalhavam informalmente, sem registro em carteira de trabalho. Eles pagaram do próprio bolso a passagem de Aracatu ao interior de São Paulo, inclusive os adolescentes, que estavam acompanhados dos pais, também colhedores de café. O combinado, segundo depoimentos, era de que eles também se responsabilizariam pela aquisição das passagens de retorno ao local de origem no final da colheita. O grupo chegou a Pedregulho no fim de abril, mas até o momento da operação não haviam recebido salário. Eles esperavam por receber o pagamento quando fosse concluída a colheita. Apesar disso, os depoimentos revelaram que os trabalhadores não sabiam sequer o quanto iriam receber.

Os auditores-fiscais do trabalho identificaram jornada de trabalho excessiva (com casos que vão das 6h às 17h), em esquema de trabalho por produção, e ainda irregularidades no cômputo do café colhido, para fins de pagamento. Os alojamentos onde os trabalhadores moravam foram cedidos pelos empregadores, sem cobrança de aluguel, e ficavam distantes 20km das frentes de colheita. Para fazer o traslado casa-trabalho-casa, o empregador dispunha de um ônibus precário, sem condições de tráfego, sendo que o condutor não possuía sequer carteira de habilitação.

Os casebres apresentavam condições insalubres e desumanas. Em quatro pequenas unidades vivam mais de 60 pessoas em condições precárias (inclusive crianças). Devido ao número insuficiente de camas, mais de uma pessoa ocupava os colchões de solteiro, e mais de duas os colchões de casal. Homens solteiros ficavam sob o mesmo teto das famílias. A falta de vedação de portas e janelas propiciava a entrada de intempéries, especialmente o frio, além de não haver forros e os vidros estavam quebrados.

Não havia armários, lavanderia ou banheiros em número suficiente para todos, o que comprometia a higiene dos locais. As instalações elétricas eram precárias. Dentro de cada unidade havia um botijão de gás, o que é proibido pela norma, haja vista o risco de explosão e asfixia, em caso de vazamento. Os agrotóxicos ficavam ao lado das áreas de vivência dos alojamentos. As embalagens vazias destes agrotóxicos eram reaproveitadas pelos moradores para a lavagem de roupas.

Resgatados – Os auditores-fiscais trabalho autuaram os proprietários das fazendas por trabalho análogo à escravidão, o que garantiu aos trabalhadores o direto ao seguro-desemprego por três meses. O MPT firmou termo de ajuste de conduta (TAC) com os empregadores, garantindo o pagamento das verbas rescisórias, além de indenizações por danos morais individuais (que variaram de R$ 4 mil a R$ 6 mil para cada trabalhador) e uma indenização por danos morais coletivos no valor de R$ 50 mil, totalizando mais de R$ 500 mil em verba indenizatória e rescisória. No TAC, fazendeiros assumiram cerca de 24 obrigações trabalhistas relacionadas ao meio ambiente do trabalho rural, pagamentos salariais, formalização de contrato, alojamentos, entre outras. O retorno dos trabalhadores para a Bahia foi custeado também pelos empregadores.

Além do TAC, foi firmado um acordo judicial na ação civil pública para tutelar os direitos dos adolescentes encontrados em situação degradante, que resultou na indenização coletiva de cerca de R$ 250 mil. Esse valor deverá ser usado para propiciar um investimento na formação de jovens e adolescentes que residem na cidade de origem dos trabalhadores resgatados.

“O objetivo do processo foi alcançado como um todo, a partir das obrigações de fazer assumidas pelos empregadores, bem como as indenizações para cada um dos trabalhadores, sob o aspecto do dano moral individual. O dano moral coletivo também foi contemplado de forma mais ampla e, agora, uma indenização direcionada a crianças e adolescentes, como forma de tutelar esses trabalhadores e criar um projeto na sua cidade de origem, para que não se submetam novamente a atividades degradantes e possam ter o aprendizado de uma atividade, para que sejam inseridos de forma adequada no mercado de trabalho”, finalizou o procurador Élisson Miessa.

Trabalhadores baianos foram resgatados em junho no interior paulista
Trabalhadores baianos foram resgatados em junho no interior paulista


Com informações do TRT-15 e do MPT em Campinas

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