Carreta tomógrafo faz exames em vítimas do amianto no sudoeste baiano
A ação promovida pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) para a realização de tomografias, emissão de laudos médicos e prescrição de tratamento para as vítimas do amianto começou esta semana em Bom Jesus da Serra, no sudoeste baiano.
Aproximadamente 450 pessoas, entre familiares e ex-empregados da mina de amianto que foi explorada pela empresa Sama no município, serão beneficiadas pela iniciativa, que segue até o dia 21 de setembro. O objetivo é identificar sinais de câncer decorrente da exposição prolongada ao agente químico e encaminhar os pacientes para tratamento.
“O MPT destinou recursos de indenização por danos morais coletivos pagas em processos judiciais por empresas que descumpriram a legislação trabalhista para a contração de uma unidade móvel e uma equipe especializada do Hospital do Câncer de Barretos, em São Paulo. A carreta tomógrafo está cumprindo diariamente agenda de atendimentos à população”, explicou a procuradora do MPT Tatiana Sento-Sé. Ela informa ainda que as cidades onde há registro de moradores expostos ao amianto no sudoeste da Bahia são Bom Jesus da Serra, Caetanos, Poções e Planalto. O mapeamento das possíveis vítimas foi feito pelas secretarias de saúde dos municípios envolvidos.
Para a fundadora da Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto (Abrea), a engenheira Fernanda Giannasi, há uma dificuldade em mapear os danos causados à saúde das pessoas expostas ao amianto, assim ações como auxiliar de maneira positiva a identificação e possíveis reparações às vítimas. A Abrea é uma das responsáveis por conduzir a mobilização social para a realização das ações. “O que temos hoje é um chamado silencio epidemiológico, ou seja, uma invisibilidade social dessas doenças. Assim, o que estamos tentando fazer através desse projeto é mostrar aos órgãos relacionados aos ministérios do Trabalho e da Saúde os problemas causados por esta indústria que tem atividade predatória”, acrescenta Gianassi, que também é auditora fiscal do trabalho aposentada.
A realização dos exames e consequentemente encaminhamento a tratamentos de saúde na rede pública fazem parte de compromisso firmado pelas prefeituras dos municípios com população atingida pelo amianto junto ao MPT em 2001. Os agentes de saúde rastearam os casos e encaminharam pessoas com suspeita de complicações de saúde aos serviços especializados. As prefeituras, no entanto, não estavam cumprindo o TAC, alegando falta de recursos para manutenção de serviços de oncologia, equipamentos e equipes especializadas na região.
Para evitar que as vítimas permanecessem sem acesso a um diagnóstico e a cuidados de saúde, o MPT destinou mais de R$540 mil, a maior parte vinda de ações do MPT em São Paulo, para a ação, que envolve a contratação da carreta com o tomógrafo, da equipe de médicos e de profissionais de saúde especializados na área de oncologia. Parte do recurso foi usada na aquisição de um espirômetro e um computador, destinados, em ação movida pela procuradora Tatiana Sento-Sé, à Secretaria da Saúde de Bom Jesus da Serra e ao treinamento de profissionais locais para sua utilização em exames de acompanhamento.
Busca ativa – As equipes dos Centros de Referência em Saúde do Trabalhador (Cerest) dos municípios foram essenciais na busca ativa das possíveis vítimas, que são ex-empregados da Sama e seus familiares, além de pessoas que residiam nas imediações da mina, abandona há décadas. São essas pessoas que foram convocadas a realizar os procedimentos de saúde, de forma totalmente gratuita. Além de poderem finalmente conhecer a real dimensão dos impactos em seus corpos da exposição à fibra cancerígena, poderão ser encaminhados a tratamentos na rede pública.
A empresa fechou a mina há mais de 30 anos, mas deixou um passivo ambiental que atinge até quem nasceu depois do fechamento. As ruas são calçadas com escória de amianto e até as casas contêm restos do material. A exposição humana aos resíduos do amianto é causa de câncer e de uma série de doenças respiratórias. A investigação sobre os reais impactos na saúde de cada um dos expostos é o principal objetivo desta ação, que resultará em uma série de desdobramentos, incluindo políticas públicas efetivas nas áreas de saúde e meio ambiente.
Luta contra o amianto – O amianto é um mineral proibido no Brasil desde 2017. Ele pode causar adoecimento até 60 anos após a primeira exposição. É um carcinogênico, agente químico que pode provocar câncer. Desde 2012, o MPT executa o Programa Nacional de Banimento do Amianto, que este ano passou a ser denominado Grupo de Trabalho Amianto.
Mina desativada – Na Bahia, a mina de São Félix, no município de Bom Jesus da Serra, mesmo desativada, ainda oferece riscos à população. O local foi explorado durante 30 anos pelo grupo francês Saint-Gobain, detentor da marca Brasilit, que depois foi sucedido pela empresa Sama, detentora da marca Eternit. O local foi abandonado sem qualquer preocupação com os resíduos da exploração do amianto para trabalhadores e para os demais residentes na região.
A luta contra o amianto no Brasil começou a ganhar força a partir dos anos 1980, com o aumento do número de casos de adoecimento de trabalhadores expostos ao minério. O MPT, juntamente com movimentos de trabalhadores, sindicatos e organizações não-governamentais, entre elas a Abrea, começou a pressionar por medidas mais rígidas que garantissem a segurança e a saúde dos trabalhadores.
Conhecido popularmente como “mineral mágico”, o amianto é uma fibra que se destaca pela durabilidade, resistência a altas temperaturas, flexibilidade e baixo custo. Em razão de suas propriedades e por ser facilmente encontrado na natureza, durante décadas foi utilizado pela indústria de todo o mundo. No Brasil seu uso era visto como uma solução prática e econômica, servindo de matéria-prima em diversos produtos voltados à construção civil, desde telhas até tubulações e materiais de isolamento térmico e acústico.
Mesotelioma – Estudos da Organização Mundial da Saúde apontaram que o minério está associado a diversos problemas de saúde, entre eles câncer de pulmão. O principal câncer relacionado ao amianto é o mesotelioma, que acomete membranas que revestem órgãos como o pulmão. É uma doença rara, que pode demorar até 40 anos para se manifestar a partir da exposição e que pode matar em cerca de um ano.
A contaminação acontece principalmente pela inalação de partículas no ar. Segundo a OMS, no mundo mais de 100 mil pessoas morrem todos os anos em virtude de contaminação por amianto. Ainda de acordo com o órgão, o mineral é responsável por quase 50% das mortes de trabalhadores com câncer em todo o mundo.
O Grupo de Trabalho Amianto do MPT é dividido em três eixos centrais. O primeiro busca garantir condições adequadas de atendimento ao trabalhador exposto ao amianto. O segundo, na esfera jurídica, busca estabelecer termos de ajuste de conduta (TAC) com empresas que utilizam amianto em seu processo produtivo, concedendo prazo para a sua substituição. Por fim, o terceiro diz respeito às implicações econômicas, já que o banimento leva à diminuição de postos de trabalho.
Banimento – Em 2017, o Superior Tribunal Federal (STF), no julgamento da ação direita de inconstitucionalidade (ADI) 4066, proibiu a exploração e o uso do amianto no Brasil. A ação foi proposta pela Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT) e pela Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra). Elas questionaram a Lei 9.055/95, na parte em que autorizava a continuidade do uso do amianto crisotila no país. Além do Brasil, outros 60 países aderiram à proibição do uso do minério, entre eles Islândia, Estados Unidos, Coreia do Sul e Canadá.
Mesmo diante da proibição no país, em 2019 foi sancionada a Lei Estadual 20.514, autorizando a retomada da extração do minério em Goiás para fins de exportação. Uma nova ação direta de institucionalidade foi proposta pela ANPT questionando a autorização concedida pelo estado, mas até o momento segue sem decisão do STF.
Fernanda Giannasi, fundadora da Abrea, considera que permitir a exportação do amianto, minério nocivo à saúde, é um retrocesso social e sobretudo um racismo ambiental. “Apesar de uma decisão histórica, dada pelo Supremo Tribunal Federal em 2017, essa lei permite a continuidade da exploração do minério, fazendo com que outras regiões continuem recebendo o mineral, proibido em todo o território nacional. Isso se constitui em uma prática chamada de racismo ambiental”, finaliza.